30 de março de 2015

Há diferença nos critérios para diagnóstico de crianças com TDC para fins clínicos e de pesquisa?


No artigo publicado recentemente por Geuze, Schoemaker e Smits-Engelsman, os critérios diagnóstico do Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação (TDC)a são discutidos. O título do ensaio é: Clinical and Research Criteria for Developmental Coordination Disorder—Should They Be One and the Same?1
Esta não é a primeira tentativa dos autores de difundir tal questão. O trio de autores, juntamente com Jongmans, publicaram em 2001 uma revisão intitulada Clinical and Research Criteria for Developmental Coordination: a review and discussion2, que discutiu este mesmo tema. Sete anos após a publicação do DSM-IV (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disordersb) muito ainda estava incerto, diversas terminologias e vários procedimentos de seleção de crianças com TDC foram utilizados dificultando a comparação dos resultados dos estudos e a compreensão do TCD, causando atraso ao avanço da área.
A preocupação dos autores quanto a este cenário está, infelizmente, além da realidade das pesquisas na área no Brasil. A difusão dos estudos nos países desenvolvidos sobre diagnóstico e tratamento do TDC abriram portas para maior divulgação e alcançaram os profissionais de saúde, educação, os pais e, consequentemente, conquistaram atenção e apoio dos órgãos de saúde, enquanto que no Brasil os resultados dos estudos ainda não têm tanta divulgação e reconhecimento, ficando “presos” nos muros da Universidade.
Antes de volta a comentar sobre a preocupação dos autores é importante destacar que existem dois sistemas de classificação do TDC, o DSM e o CID (International Classification of Diseasesc). Estes fornecem orientações quanto a terminologia e critérios diagnósticos. O DSM está em sua quinta edição que foi recentemente publicada. A edição do CID-11 ainda está em andamento e a sua aprovação será realizada somente na Assembleia Mundial da Saúde que será realizada em maio de 20173. No DSM-54, os critérios diagnósticos foram reformulados e manteve-se a terminologia considerando que ainda não há outra melhor disponível e por Developmental Coordination Disorder (DCD) ser o termo mais disseminado nos estudos atualmente.
Na revisão de 2001, os autores destacaram a utilização de três critérios para a seleção da amostra de crianças com TDC. O primeiro refere-se a critérios qualitativos, recomendados para fins clínicos pelo DSM-IV. O segundo são os critérios quantitativos, utilizados prioritariamente em pesquisas científicas. O terceiro, utilizado tanto como critérios qualitativos quanto quantitativos, são os critérios para pesquisa. Este último critério de seleção tem como objetivo ajustar a amostra a questões de pesquisa. Na conclusão da revisão, quatro pontos foram recomendados:
1-      Os critérios qualitativos devem ser aplicados tanto para fins clínicos quanto para pesquisa. Os critérios quantitativos são indispensáveis para ambos;
2-      A utilização de testes padronizados é recomendada para fins clínico com 15° percentil como corte e 5° para pesquisa. O Quociente de Inteligência (QI) deve ser maior que 69;
3-      Justificativas plausíveis são naturalmente aceitáveis caso algum critério não seja realizado. (Ex.: estudos realizados em escolas formais e não é realizado testes de QI e consulta clínica por considerar desempenho acadêmico favorável e boa saúde;
4-      Critérios adicionais podem ser utilizados afim de ajustar a seleção da amostra a questão do estudo.

Dez anos atrás, foi realizada uma reunião do consenso em Leeds (Reino Unido) com a presença de experts da área. O objetivo foi estabelecer a definição operacional dos critérios diagnósticos5, pois naquele momento os pesquisadores consideravam que ainda não haviam dados suficientes para alicerçar os critérios diagnósticos, além do mais, a forma como foram descritos deixavam dúvidas e davam margem a diversas interpretações. Doze anos de estudos e reuniões sistemáticas passaram-se após a publicação do DSM-IV. O DSM-5 foi publicado com critérios e recomendações reformuladas. No entanto, nada sobre critérios específicos para seleção de amostra para clínica e pesquisa foram ressaltados.
Na publicação atual, o trio de autores destacam que os critérios do DSM-5 são diretrizes que foram estabelecidas para unificar a aplicação e prática dos procedimentos de avaliação e diagnóstico. Eles consideram também que as quatro recomendações da revisão de 2001 ainda são aplicáveis. Porém, nenhum ponto de corte para o QI foi especificado no DSM-5, ao contrário, se deficiência intelectual (transtorno do desenvolvimento intelectual) está presente, as dificuldades motoras são superiores às esperadas para a idade mental.
Os autores reforçam que os critérios clínicos focam na confirmação do diagnóstico dos casos suspeitos decorrentes de instrumentos de triagem e que tal confirmação é requisito para o acesso da criança na educação especial, encaminhamento para tratamento e intervenção e reembolso de custos referentes a possíveis gastos com serviços médicos. Realidade que está longe de acontecer em um país em desenvolvimento como o Brasil, onde poucos são os profissionais da área da saúde que tem conhecimento quanto ao TDC e os que conhece estão vinculados a universidades e projetos de pesquisa, ou seja, selecionam amostras para os dois fins.
Resumindo a sugestão dos autores deste último ensaio, para fins clínicos todos os critérios diagnósticos devem ser realizados. Para fins de pesquisa também recomenda-se realizar preferencialmente todos critérios, porém se não for possível, utilizar o 5° percentil como ponto de corte. Os autores ressaltam ainda a necessidade de estudos que comparem grupos selecionados para clínica e pesquisa observando se os conhecimentos adquiridos a partir de um podem ser generalizados para o outro e vice-versa.
Há conscientização por parte dos pesquisadores que protocolos comuns de classificação, incluindo terminologia e diagnóstico, beneficiam a área e facilitam a comunicação em determinado área. No Brasil, a pesquisa sobre TDC tem crescido nos últimos 20 anos. O número de pesquisadores interessados pelo tema é crescente e estão localizados em várias regiões do país. Com foco no ensaio analisado, o que seria mais viável para nossa realidade seriam os critérios diagnósticos para pesquisa que, segundo os autores, baseiam-se nos objetivos dos estudos e para selecionar a amostra os critérios são definidos por inclusão e exclusão especificados pela questão de pesquisa ao invés dos critérios clínicos puros.
No entanto, para avançarmos e sermos vistos pelos profissionais, pesquisadores, pais e, finalmente, alcançarmos o reconhecimento dos órgãos governamentais, precisamos estabelecer em consenso a terminologia traduzida e os procedimentos diagnósticos como sugerido pelos autores. Pesquisadores holandeses6 preocupados com o avanço dos estudos, começaram com pequenas reuniões de pesquisadores e elaboraram recomendações em consenso que expandiu-se por toda Europa e atualmente tem alcance internacional (com revisões e adaptações a outras populações)7. Levando em consideração nossa diversidade cultural e socioeconômica, padronizar os estudos da área a nível nacional seria um ótimo começo para facilitar a comunicação dos pesquisadores brasileiros.

“Se um reino estiver dividido contra si mesmo, não poderá subsistir” Mc. 3:24
Por Roseane Nascimento
Doutoranda da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo

a Terminologia traduzida para Developmental Coordination Disorder e mais difundido no Brasil;
b Em português: Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais
c m português: Classificação Internacional de Doenças


REFERÊNCIAS:
1-      Geuze, R. H., Schoemaker, M. M., & Smits-Engelsman, B. C.  Clinical and research diagnostic criteria for developmental coordination disorder - Should They Be One and the Same? Current Developmental Disorders Reports. Published online: 11 March 2015.
2-      Geuze, R. H., Jongmans, M. J., Schoemaker, M. M., & Smits-Engelsman, B. C. Clinical and research diagnostic criteria for developmental coordination disorder: a review and discussion. Human movement science, 20(1), 7-47, 2001.
3-      BUCCI, P. The development of the ICD-11 chapter on mental disorders: an update for WPA membership Letter to the Editors. Psychiatric. Pol. 48(2): 401–405, 2014.
4-      American Psychiatric Association (APA). Diagnostic and statistical manual of mental disorder. Fifth edition. Arlington, AV; 2013.
5-      Sugden DA. Leeds Consensus Statement. Economic Science Research Council Seminar Series. Cardiff: Dyscovery Trust; 2006.
6-      Blank R, Smits-Engelsman B, Polatajko H, Wilson P. European Academy for Childhood Disability (EACD): recommendations on the definition, diagnosis and intervention of developmental coordination disorder (long version). Dev Med Child Neurol. 54:54–93. 2012
7-      European Academy for Childhood Disability (EACD). EACD recommendations: German-Swiss interdisciplinary clinical practice guideline. S3-standard according to the association of the scientific medical societies in Germany (AWMF). Revised for the UK. Turku: European Academy for Childhood Disability; 2012.

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