No artigo publicado recentemente
por Geuze, Schoemaker e Smits-Engelsman, os critérios diagnóstico do Transtorno
do Desenvolvimento da Coordenação (TDC)a são discutidos. O título do ensaio é: Clinical and Research Criteria for
Developmental Coordination Disorder—Should They Be One and the Same?1
Esta não é a primeira tentativa dos
autores de difundir tal questão. O trio de autores, juntamente com Jongmans,
publicaram em 2001 uma revisão intitulada Clinical
and Research Criteria for Developmental Coordination: a review and discussion2,
que discutiu este mesmo tema. Sete anos após a publicação do DSM-IV (Diagnostic and Statistical Manual of Mental
Disordersb) muito ainda estava incerto, diversas terminologias e
vários procedimentos de seleção de crianças com TDC foram utilizados
dificultando a comparação dos resultados dos estudos e a compreensão do TCD, causando
atraso ao avanço da área.
A preocupação dos autores quanto
a este cenário está, infelizmente, além da realidade das pesquisas na área no
Brasil. A difusão dos estudos nos países desenvolvidos sobre diagnóstico e
tratamento do TDC abriram portas para maior divulgação e alcançaram os profissionais
de saúde, educação, os pais e, consequentemente, conquistaram atenção e apoio
dos órgãos de saúde, enquanto que no Brasil os resultados dos estudos ainda não
têm tanta divulgação e reconhecimento, ficando “presos” nos muros da
Universidade.
Antes de volta a comentar sobre a
preocupação dos autores é importante destacar que existem dois sistemas de
classificação do TDC, o DSM e o CID (International
Classification of Diseasesc). Estes fornecem orientações quanto
a terminologia e critérios diagnósticos. O DSM está em sua quinta edição que
foi recentemente publicada. A edição do CID-11 ainda está em andamento e a sua
aprovação será realizada somente na Assembleia Mundial da Saúde que será
realizada em maio de 20173. No DSM-54, os critérios
diagnósticos foram reformulados e manteve-se a terminologia considerando que
ainda não há outra melhor disponível e por Developmental
Coordination Disorder (DCD) ser o termo mais disseminado nos estudos
atualmente.
Na revisão de 2001, os autores
destacaram a utilização de três critérios para a seleção da amostra de crianças
com TDC. O primeiro refere-se a critérios qualitativos, recomendados para fins
clínicos pelo DSM-IV. O segundo são os critérios quantitativos, utilizados
prioritariamente em pesquisas científicas. O terceiro, utilizado tanto como
critérios qualitativos quanto quantitativos, são os critérios para pesquisa.
Este último critério de seleção tem como objetivo ajustar a amostra a questões
de pesquisa. Na conclusão da revisão, quatro pontos foram recomendados:
1- Os
critérios qualitativos devem ser aplicados tanto para fins clínicos quanto para
pesquisa. Os critérios quantitativos são indispensáveis para ambos;
2- A
utilização de testes padronizados é recomendada para fins clínico com 15°
percentil como corte e 5° para pesquisa. O Quociente de Inteligência (QI) deve
ser maior que 69;
3- Justificativas
plausíveis são naturalmente aceitáveis caso algum critério não seja realizado.
(Ex.: estudos realizados em escolas formais e não é realizado testes de QI e
consulta clínica por considerar desempenho acadêmico favorável e boa saúde;
4- Critérios
adicionais podem ser utilizados afim de ajustar a seleção da amostra a questão
do estudo.
Dez anos atrás, foi realizada uma
reunião do consenso em Leeds (Reino Unido) com a presença de experts da área. O
objetivo foi estabelecer a definição operacional dos critérios diagnósticos5,
pois naquele momento os pesquisadores consideravam que ainda não haviam dados
suficientes para alicerçar os critérios diagnósticos, além do mais, a forma
como foram descritos deixavam dúvidas e davam margem a diversas interpretações.
Doze anos de estudos e reuniões sistemáticas passaram-se após a publicação do
DSM-IV. O DSM-5 foi publicado com critérios e recomendações reformuladas. No
entanto, nada sobre critérios específicos para seleção de amostra para clínica
e pesquisa foram ressaltados.
Na publicação atual, o trio de
autores destacam que os critérios do DSM-5 são diretrizes que foram
estabelecidas para unificar a aplicação e prática dos procedimentos de
avaliação e diagnóstico. Eles consideram também que as quatro recomendações da
revisão de 2001 ainda são aplicáveis. Porém, nenhum ponto de corte para o QI
foi especificado no DSM-5, ao contrário, se deficiência intelectual (transtorno
do desenvolvimento intelectual) está presente, as dificuldades motoras são
superiores às esperadas para a idade mental.
Os autores reforçam que os critérios
clínicos focam na confirmação do diagnóstico dos casos suspeitos decorrentes de
instrumentos de triagem e que tal confirmação é requisito para o acesso da
criança na educação especial, encaminhamento para tratamento e intervenção e
reembolso de custos referentes a possíveis gastos com serviços médicos. Realidade
que está longe de acontecer em um país em desenvolvimento como o Brasil, onde poucos
são os profissionais da área da saúde que tem conhecimento quanto ao TDC e os
que conhece estão vinculados a universidades e projetos de pesquisa, ou seja,
selecionam amostras para os dois fins.
Resumindo a sugestão dos autores
deste último ensaio, para fins clínicos todos os critérios diagnósticos devem
ser realizados. Para fins de pesquisa também recomenda-se realizar
preferencialmente todos critérios, porém se não for possível, utilizar o 5°
percentil como ponto de corte. Os autores ressaltam ainda a necessidade de
estudos que comparem grupos selecionados para clínica e pesquisa observando se
os conhecimentos adquiridos a partir de um podem ser generalizados para o outro
e vice-versa.
Há conscientização por parte dos
pesquisadores que protocolos comuns de classificação, incluindo terminologia e
diagnóstico, beneficiam a área e facilitam a comunicação em determinado área.
No Brasil, a pesquisa sobre TDC tem crescido nos últimos 20 anos. O número de
pesquisadores interessados pelo tema é crescente e estão localizados em várias
regiões do país. Com foco no ensaio analisado, o que seria mais viável para
nossa realidade seriam os critérios diagnósticos para pesquisa que, segundo os
autores, baseiam-se nos objetivos dos estudos e para selecionar a amostra os
critérios são definidos por inclusão e exclusão especificados pela questão de
pesquisa ao invés dos critérios clínicos puros.
No entanto, para avançarmos e
sermos vistos pelos profissionais, pesquisadores, pais e, finalmente,
alcançarmos o reconhecimento dos órgãos governamentais, precisamos estabelecer
em consenso a terminologia traduzida e os procedimentos diagnósticos como
sugerido pelos autores. Pesquisadores holandeses6 preocupados com o
avanço dos estudos, começaram com pequenas reuniões de pesquisadores e
elaboraram recomendações em consenso que expandiu-se por toda Europa e
atualmente tem alcance internacional (com revisões e adaptações a outras populações)7.
Levando em consideração nossa diversidade cultural e socioeconômica, padronizar
os estudos da área a nível nacional seria um ótimo começo para facilitar a comunicação dos pesquisadores brasileiros.
“Se um reino estiver dividido contra si
mesmo, não poderá subsistir” Mc. 3:24
Por Roseane Nascimento
Doutoranda da Escola de Educação Física e
Esporte da Universidade de São Paulo
1-
Geuze,
R. H., Schoemaker, M. M., & Smits-Engelsman, B. C. Clinical and research diagnostic criteria for developmental coordination
disorder - Should They Be One and the Same? Current Developmental Disorders
Reports. Published online: 11 March 2015.
2- Geuze, R. H., Jongmans, M. J.,
Schoemaker, M. M., & Smits-Engelsman, B. C. Clinical and research
diagnostic criteria for developmental coordination disorder: a review and
discussion. Human movement science, 20(1), 7-47, 2001.
3-
BUCCI,
P. The development of the ICD-11 chapter on mental disorders: an update for WPA
membership Letter to the Editors. Psychiatric. Pol. 48(2): 401–405, 2014.
4- American Psychiatric Association
(APA). Diagnostic and statistical manual of mental disorder. Fifth edition. Arlington,
AV; 2013.
5-
Sugden
DA. Leeds Consensus Statement. Economic Science Research Council Seminar
Series. Cardiff: Dyscovery Trust; 2006.
6- Blank R, Smits-Engelsman B,
Polatajko H, Wilson P. European Academy for Childhood Disability (EACD):
recommendations on the definition, diagnosis and intervention of developmental
coordination disorder (long version). Dev Med Child Neurol. 54:54–93. 2012
7-
European
Academy for Childhood Disability (EACD). EACD recommendations: German-Swiss
interdisciplinary clinical practice guideline. S3-standard according to the
association of the scientific medical societies in Germany (AWMF). Revised for
the UK. Turku: European Academy for Childhood Disability; 2012.
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